“Pois todos vós sois filhos de Deus mediante a fé em Cristo Jesus;” (Gálatas 3.26)
Segundo Paulo os cristãos são adotados como filhos porque estão unidos ao verdadeiro Filho, Jesus Cristo. Sem a fé salvadora ninguém goza desta condição. Desta maneira nossa filiação divina não se iguala em nada à ideia de filiação divina mítica, pois somente os que receberam o Filho, “deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que crêem o seu nome”;(Jo.1.12).
Na antiguidade não era raro ou anormal, um homem ser chamado de “filho de deus”. O mundo estava cheio de homens considerados divinos, semideuses e heróis nascidos de “casamentos” dos deuses com os mortais, tais homens se diziam filhos de deus, por isso, eram em alguns casos, até mesmo adorados, como manifestações da divindade. Mesmo o Novo Testamento apresenta alguns indícios deste costume entre os pagãos (At 8.9-11; 12.21,22; 14.11,12; 28.6).
O episódio narrado por Lucas em Atos 14.8-18 ilustra bem esta crença do povo. E neste caso, há algo curioso: Júpiter = Zeus e Mercúrio = Hermes, os quais foram identificados pelo povo como sendo Barnabé e Paulo, respectivamente (At 14.12), eram associados à religião pela literatura latina. Ovídio (42 a.C – 18 d.C), narra que um pobre casal, Filemon e Báucis, acolheram em sua humilde casa, Júpiter e Mercúrio disfarçados como mortais que vieram às colinas da Frígia em busca de abrigo e, que não conseguiram pousada em nenhuma das mil casas da região, exceto na do casal. Filemon e Báucis, por este ato de hospitalidade, conta-nos Ovídio, foram recompensados sendo poupados do dilúvio que destruiu as casas de seus vizinhos não hospitaleiros, tendo, inclusive, num ato simultâneo a sua pequena casa transformada num templo com colunas de mármore e teto de ouro e, a pedido receberam a incumbência de serem sacerdotes e guardiães do santuário de Júpiter e, conforme solicitaram, Filemon e Báucis, morreram juntos. [Cf. Ovídio, As Metamorfoses, Livro VIII, pp. 214-216].
Esse mito, que já era bem conhecido nos tempos de Paulo e Barnabé, esclarece porque tão prontamente o povo os identificou com tais divindades após o milagre realizado por Deus através deles (At 14.8-10). Além disso, a idéia de que as divindades assumissem temporariamente uma forma humana, já fazia parte da religiosidade do povo desde os tempos de Homero, o grande poeta grego, em suas obras A Ilíada e Odisséia, escritas por volta do séc. IX a.C.
A filiação divina dos eleitos de Deus não é mitológica, mas exclusivamente por uma questão de graça dispensada pelo Pai. O que para Cristo é uma questão de natureza eterna. O Catecismo de Heidelberg (1563), pergunta 33 – “Por que é Cristo chamado de Unigênito Filho de Deus, se nós também somos filhos de Deus?” – responde: “Porque só Cristo é o Filho eterno de Deus, ao passo que nós, por sua causa, e pela graça, somos recebidos como filhos de Deus”. E, portanto, conclui Paulo: “E, porque vós sois filhos, enviou Deus ao nosso coração o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai! De sorte que já não és escravo, porém filho; e, sendo filho, também herdeiro por Deus”.(Gl 4:6-7)
Rev. Ronaldo Bandeira Henriques