RESENHA
REINKE, Tony. Deus, tecnologia e a vida cristã. Tradução de João Paulo Aragão da Guia Oliveira. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2022. Formato ePub/Brochura 354p.
Por Rev. Ronaldo Bandeira Henriques[1]
Tony Renke (1977-) é jornalista e escritor. O seu trabalho concentra-se, predominantemente, em oferecer maneiras inteligentes de lidar com as tecnologias e inovações de mídia e vídeo. Conforme declaração pessoal em seu blog, identifica-se como evangélico, reformado, credobatista, complementarista, continuacionista e cristão hedonista. Acredita na gloriosa e profunda verdade bíblica de que Deus é mais glorificado quando estamos mais satisfeitos nele. Segundo o autor, ele começou sua carreira no jornalismo esportivo, quando o papel de jornal estava em declínio. Deixou o seguimento no final dos anos 1990 e entrou no mundo digital dos blogs e mídias sociais em 2006. Ainda informa que começou a escrita online por diversão, o que acabou o levando ao seu primeiro ministério em tempo integral, servindo na web para ajudar C. J. Mahaney (2008–11). Atualmente é mestre sênior no Desiring God e apresentador do Podcast Pergunte ao Pastor John Piper (2012-presente). Seu trabalho mistura pesquisa teológica, curadoria de conteúdo, redação, edição, entrevista, transmissão de áudio e mídia social. Considera-se um jornalista investigativo de teologia prática, aproveitando os principais recursos dos maiores pensadores da história da Igreja para abordar as questões desconcertantes que os cristãos enfrentam hoje. Não usa assistentes de pesquisa ou escritores fantasmas. Reinke mora em Phoenix, estado do Arizona, nos Estados Unidos, com sua esposa e seus três filhos.[2]
As obras de Reinke encontram-se de fácil acesso no Brasil, tanto no formato digital como físico, graças à iniciativa de algumas editoras. Seus livros são: John Newton e a vida Cristã. Tradução de João Pedro Cavani Ferraz de Almeida. São Paulo: Cultura Cristã, 2018, 433p.; O Projeto da Alegria: Uma Introdução ao Calvinismo. Tradução de Rafael B. Salazar. Brasília, DF: Éden Publicações, 2018, 130p.; Lit!: Um guia cristão para leitura de livros. Tradução de Maryssa de Oliveira Caetano e Cláudia Kriger. Niterói, RJ: Concílio, 2019, 266p.; A guerra dos espetáculos: o cristão na era da mídia. Tradução de Vinicius Silva Pimentel. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2020, 1112p.; 12 maneiras como seu celular está transformando você. Tradução de Maryssa de Oliveira Caetano. Niterói, RJ: Concílio, 2020, 229p.; Mãe o Bastante: O Coração e a Esperança da Mãe Destemida. Tradução de Jônatas Cunha. Brasília, DF: Éden Publicações, 2022, 111p.; Deus, tecnologia e a vida cristã. Tradução de João Paulo Aragão da Guia Oliveira. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2022, 354p. Há também artigos que podem ser encontrados em português, tais como: 10 questões sobre namoro com Matt Chandler; Por que Deus criou o planeta Terra?; Por que deveríamos evitar as mídias sociais; Um filme tão bom a ponto de te destruir: Você assistiria?; Você foi feito para se divertir; Trinta segundos sozinho com Deus; Conselho de J. I. Packer para aspirantes a escritores; Deus escreveu esta parte de sua história também; 12 dicas para exercer a paternidade na era digital; 3 perguntas para fazer antes de ouvir qualquer sermão; Por que clicamos em links idiotas?[3]; O smartphone do Bom Samaritano e a lei do amor; 10 Perguntas e respostas sobre namoro; O Surgimento do maníaco por controle; Por que negligenciamos nossas Bíblias?; Pare de desculpar-se por Deus; Por que devemos fugir das mídias sociais; e O segredo da saúde digital.[4] O Autor ainda possui outras diversas participações autorais e editorias em obras e textos publicados.
A obra de Reinke Deus, tecnologia e a vida cristã tem como objetivo usar de vozes históricas e textos-chave das Escrituras para desfazer mitos comuns sobre a tecnologia (p.22). Segundo Reinke, a “história da humanidade é a história da tecnologia. O profeta Daniel marcou reinos sucessivos por metais dominantes: ouro, prata, bronze, ferro, ferro-barro (Dn 2.31–45). Marcamos a história humana como Idade da Pedra, Idade do Bronze, Idade do Ferro, a Era Nuclear e Era do Computador. Hoje, vivemos na Era Tecnológica” (p.10). Essa afirmação é seguida da definição operacional de tecnologia como a “ciência aplicada e poder amplificado. É arte, método, know-how, fórmulas e expertise. A palavra tecnologia vem da raiz techne- ou técnica. Ampliamos nossos poderes nativos por meio de novas técnicas” (p.11). O autor propõe “uma visão mais positiva da inovação e dos inovadores humanos” (p. 26). Nessa direção ressalva: “sou otimista — não otimista pelo homem, mas pelo Deus que governa cada centímetro quadrado do Vale do Silício” (p. 27). Reinke, ainda no primeiro capítulo, vale-se da narrativa histórica bíblica de Davi e Golias (1Sm 17.4-40) para mostrar como Deus usa a tecnologia atrelada à fé para que sua força seja evidenciada na fraqueza de Davi (p.18). Desse modo, segue o autor configurando o que ele chama de sua “teologia bíblica da tecnologia” (p. 26).
A estratégia responsiva de construção dos capítulos não só estimula o leitor como também preserva a natureza definidora do texto. O segundo capítulo caracteriza-se por seu propósito relacional, ou seja, a relação de Deus com a tecnologia, destacando que esse entendimento determina as diretrizes para o uso apropriado da tecnologia (p.29). As passagens bíblicas usadas por Reinke são: Gênesis 6, 7 e 11, construção da arca por Noé e da Torre de Babel, respectivamente (p.29-30). O destaque ficou por conta do uso da tecnologia do “betume” ou “piche” e dos “tijolos” queimados. Seguindo seu objetivo, além dessas passagens, o autor consolida a formulação da relação, destacando textos como Isaías 54.16 e outros, acompanhados de nove proposições, nas quais predomina a relação de absoluta soberania e propósito de Deus sobre a tecnologia (p.65).
O terceiro capítulo é a parte escolhida pelo autor para mostrar a origem da tecnologia. Nesse capítulo, ele não demora dizer que toda a nossa ciência e a nossa inovação são o resultado do desígnio intencional e da generosidade de Deus (p. 74). Para exemplificar a origem divina da tecnologia, usa vários textos, desde os descendentes próximos de Caim, em Gênesis 4.17-26, até os de Isaías 28.23–29, ao que intitula de origem da tecnologia agrícola ou tecnologia primária (p. 84, 87). Segundo Reinke “cada nova descoberta dos portadores da imagem de Deus desvenda a mente do Criador em seu desígnio de criação. Além disso, destaca o ápice de sua criação: os próprios portadores da sua imagem.” As tecnologias surgem a partir dos padrões da Terra. O Criador controla as matérias-primas colocadas no solo para serem descobertas e usadas. Ele controla as leis naturais das tecnologias que criamos. Ele nos dá cientistas, que exploram os padrões, e nos dá inovadores, que aplicam os padrões em novas tecnologias para usarmos. O processo funciona, porque segue a voz do Criador. Deus faz as coisas do nada. Fazemos coisas com o que está disponível (p. 104). A tecnologia origina-se em Deus que tudo criou ex nihilo.
Em seguida, no quarto capítulo, o autor estabelece o limite da tecnologia ao dizer ao leitor que “se Deus é o centro da sua vida, a tecnologia é uma grande dádiva. Se a tecnologia é sua salvadora, você está perdido” (p. 171). “Dentro do universo de Deus, a tecnologia se torna relevante para os cristãos que temem a Deus e servem ao próximo. Porém, ainda vivemos em um mundo caído, com guerras, rumores de guerras e ira entre pessoas e nações (Mt 24.6; Mc 13.7)” (p. 180). Todavia, diz Reinke, “quando se trata de salvação, a tecnologia é uma decepção inevitável (Sl 33.17). O homem não pode salvar a si mesmo (Is 2.22).” Nenhum inovador e nenhuma inovação podem realmente salvar a alma do homem (p. 180). Desse modo, a tecnologia pode fazer muitas coisas, mas nunca satisfará a necessidade de salvação das almas dos homens (p. 181).
O autor segue o seu objetivo, mostrando no quinto capítulo o telos da tecnologia e das inovações. Para tanto, utiliza-se da Revelação de João, em Apocalipse 18. Segundo Reinke, “as cidades concentram tanto a inovação humana quanto a arrogância humana” (p.190), evidentes em Babel e na Babilônia de João. As cidades são capitais da autossuficiência. Dentro das cidades, os avanços tecnológicos conspiram para expulsar Deus. Deus é desnecessário. A Babilônia descrita por João é a capital global da autossuficiência, cheia de idólatras bêbados e adúlteros opulentos, Babilônia é seu próprio deus. Ela é o cume que todas as outras megacidades criadas pelo homem aspiram alcançar. Como resultado, os centros urbanos ignoram a beleza de Deus em favor de uma vasta rede global de afetos mal direcionados. Os pecadores auto adoradores desperdiçam suas vidas em uma busca vã para encontrar satisfação na riqueza, no sexo e no poder. Ecoando Babel, Deus volta sua atenção para Babilônia, para frustrar seu espírito autossuficiente (p. 191), mas primeiro ele convoca seus fiéis para sair da cidade (Ap 18.4-7). Reinke mostra que o fim das tecnologias se dará quando Cristo voltar e levar os seus eleitos para Nova Jerusalém. Segundo Reinke, essa cidade que não será construída pelos engenheiros humanos, mas superará todas as cidades conhecidas na história, a Nova Jerusalém chegará como a primeira cidade já projetada, preparada e construída pelo próprio Deus (p. 207). Com esperanças de continuidade, diz o autor, aguardamos realidades maiores que não podemos imaginar agora. Talvez novos poderes que Deus codificará na nova criação, que farão com que todos os avanços de nossas tecnologias pareçam tão básicos e primitivos quanto uma torre infantil de peças de um brinquedo de montar (p. 212).
Se até agora o autor ofereceu a origem dos inventores no plano de Deus, a gênesis das inovações na criação de Deus e informou aonde a inovação humana está indo, volta-se agora para os complexos dilemas éticos de vida cristã dentro da era tecnológica (p. 214). Noutras palavras, como se deve usar a tecnologia hoje. Segundo Reinke, as tecnologias podem amplificar os poderes, mas não podem dar sabedoria aos homens com tais poderes (p. 214). O uso da tecnologia corretamente só pode ocorrer com a sabedoria que, segundo o autor, é encontrada em Deus, porque ele é o Criador soberano (p. 220). Começando pelo livro de Jó, capítulo 28, no contexto dos mineiros ambiciosos, conhecida ilustração de Jó pela busca desesperada por sabedoria, o autor mostra a descoberta de Jó de que a sabedoria não pode ser encontrada em técnicas (Jó 28.1-11) (p. 215). Segundo Reinke, a “vida sábia na era tecnológica nos chama a ver e apreciar os padrões de Deus em sua criação e tentarmos imitá-lo” (Jó 28.28) (p. 224). O domínio da tecnologia requer autolimitação (p. 258). Esse é o desafio (p. 259). A confiança no Criador determinará como enfrentaremos um futuro tecnológico incerto: com ressalva temerosa ou com liberdade esperançosa. A confiança faz a diferença (p. 280). Em Cristo, cientistas e tecnólogos são libertados para cultivar a criação para o florescimento humano (p. 287). Segundo o autor, o uso das tecnologias e das inovações deve ser orientado pelo conhecimento de Cristo, fonte da sabedoria que deve dirigir toda inovação (p. 287).
A obra de Reinke é constituída da reunião de várias palestras que realizou sobre o tema (p. 292). Os 6 capítulos apresentam uma boa coesão. O uso dos mecanismos linguísticos para estabelecer conexão entre as ideias, boas relações entre as partes do texto e uma sequência lógica dos capítulos são provas disso. Os significados e os argumentos usados no livro também são destaques. Os sentidos dos conceitos básicos apresentados são evidentes e comunicados de forma harmoniosa, garantindo uma boa coerência. Como se não bastasse, o texto foi construído de um modo geral com bastante clareza, frases curtas, ordem direta e sem ambiguidades.
O autor usa de várias tipologias textuais, tais como: informativa, narrativa, descritiva, argumentativa e expositiva. Tudo atrelado a temas, formas, composições e estilos que caracterizam os elementos do que é conhecido como gênero textual. Toda essa habilidade é usada para tratar de conteúdos bíblicos, históricos, teológicos e científicos. Uma excelente transigência entre tipos e subgêneros textuais que contribuiu definitivamente para qualidade da produção. Sua vocação jornalística é evidente.
A teologia segue o comprometimento do autor com as Escrituras Sagradas e teólogos conhecidos no meio Reformado como: Agostinho (354-430), João Calvino (1509–1564), Charles Haddon Spurgeon (1834–1892), Abraham Kuyper (1837–1920) e Herman Bavinck (1854–1921) (p.13,22). Ele também não tem receio de lidar com outros nomes contemporâneos, considerados polêmicos: Jacques Ellul (1912–1994), Wendell Berry (1934–), Kevin Kelly (1952–), Elon Musk (1971–) e Yuval Noah Harari (1976–) e outros (p. 22-23). Sustenta em toda a obra uma cosmovisão bíblica e teológica, comprometida com sua declaração de fé.
Reinke atinge seu propósito de desmentir vários mitos comuns sobre tecnologia (p. 24). Sua argumentação informativa e bem fundamentada mostra não apenas a inabilidade dos cristãos para aplicar os princípios bíblicos às inovações tecnológicas, mas também a despreocupação com sua responsabilidade de uma aproximação responsável e exemplar dessa área.
A obra apresenta uma conjugação primorosa entre Deus, tecnologia e vida cristã, mostrando que a tecnologia e as inovações fazem parte da criação divina como um presente intencionalmente projetado pelo generoso Criador, a quem devemos adorar para todo sempre (p. 288).
O livro é altamente recomendável a vocacionados aos estudos tecnológicos, bem como aos leitores cristãos em geral, por razões simples: 1. Facilidade de leitura; 2. Bom uso dos gêneros e subgêneros textuais; 3. A boa teologia do autor; 4. Informações importantes sobre as tecnologias e inovações; e 5. Apresentar como deve ser a relação entre o cristão e a tecnologia biblicamente orientada.
[1] Bacharel em Teologia pelo Seminário Teológico Presbiteriano rev. José Manoel da Conceição; Bacharel em Filosofia pela Universidade de São Paulo; Licenciatura Plena em Filosofia pela Universidade de São Paulo; Especialista em Formação Docente para o Ensino Superior pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; Mestre em Teologia e Filosofia pelo Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper; professor e diretor do Seminário Teológico Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição; e pastor da Igreja Presbiteriana de Guaianases, SP.
[2] REINKE, Tony. Miscellanies from the Sonoran Desert. Disponível em: https://tonyreinke.com/about. Acesso em 19 mai. 2023.
[3] REINKE, Tony. Voltemos ao Evangelho. Disponível em: https://voltemosaoevangelho.com/blog/autor/tony-reinke/. Acesso em 23 mai. 2023.
[4] REINKE, Tony. TGC Coalisão pelo Evangelho. Disponível em: https://coalizaopeloevangelho.org/profile/tony-reinke/. Acesso em 26 mai. 2023.