QUARTA-FEIRA DE CINZAS E QUARESMA

A reprovação destes ritos pela Igreja Presbiteriana não justifica nosso desconhecimento de seus significados para os que aprovam. As cinzas fazem parte dos sacrifícios cruentos desde os primórdios da história da religião. Na tradição hebraica, em particular, as cinzas do altar das ofertas queimadas, nos dias de grande festividade, podiam acumular-se para serem retiradas no dia seguinte somente por um sacerdote escolhido para fazer o trabalho.  Uma espécie de lixívia era feita com as cinzas da novilha sacrificada e usada para as purificações cerimoniais (Nm 19.17,18). As cinzas resultantes de holocaustos especiais eram guardadas e misturadas com água corrente, para purificação das poluções e como sinal de jejum (Is 58.5; Jn 3.6).

As Escrituras nos oferecem alguns usos figurados da cinza, vejamos alguns:

1. A fragilidade humana (Gn 18.27). 2. A humilhação (Et 4.1; Jn 3.6; Mt 11.21; Lc 10.13). 3. Assentar-se sobre cinzas era sinal de lamentação e luto (Jó 1.8; Lm 3.16; Ez 27.30). A lamentação também era indicada pelo ato de lançar cinzas sobre a própria cabeça (2Sm 3.10; Is 41.3) 4. Alimentar-se de cinzas, misturando-as com o próprio alimento, representava a tristeza (Sl 102.9). Porém, em Isaías 45.20, aparentemente denota o labor que resulta em nada, porque não há nutrientes nas cinzas. 5. Total destruição (Ez 28.18; 2Pe 2.6). 6. Indignidade (Gn 18.27). 7. Redução dos inimigos a nada (Ml 4.3).

No cristianismo o uso das cinzas teve seu início com Tertuliano (155-222 d.C.) O grande escritor e sacerdote do II e III séculos usava as cinzas nas cerimônias públicas de penitência. Os penitentes punham cinzas sobre suas cabeças e ficavam à porta dos templos, esperando readmissão à comunhão. Isso haveria de evoluir para tornar-se a formal “Quarta-feira de Cinzas”, largamente observada pela cristandade Católica Romana.

A “Quarta-feira de Cinzas” tem o seu lugar como o primeiro dia do período da “Quaresma”. O dia resume a prática antiga, como já vimos, de aspergir cinzas sobre as cabeças dos penitentes, visando restaurá-los à comunhão na Páscoa. Essa aspersão finalmente passou a ser dada à congregação reunida. O missal contém um culto para a bênção das cinzas, que seria um sinal de humilhação, contrição e lamento (Dn 9.3; Mt 11.21; Is 61.3).  

A “Quaresma” é o nome dado ao período de quarenta dias que precedem a Páscoa. É conhecido também como o jejum pré-pascal. No começo esse jejum era da décima parte de um ano, mas depois se foi ampliando até chegar aos quarenta dias. Algumas Igrejas Católicas e Anglicanas destinam este período à preparação para o batismo e para a penitência pública por parte dos candidatos ao batismo por ocasião da Páscoa. Durante esse período as Igrejas dedicam todas as sextas-feiras em memória da morte de Cristo. [Cf. Catecismo da Igreja Católica, cap. II, § 1438]

O rito da “Quarta-feira de Cinzas” e da “Quaresma” não resistiu ao rigor bíblico da Reforma Protestante do século XVI.  Embora as cinzas e o número quarenta ocupem seu lugar nas Escrituras, não passam de sombras diante da materialidade de Jesus Cristo e sua obra (Cl 2.17). A observância desses dias e de suas respectivas práticas com o propósito simbólico de purificação e preparação através da penitência não tem lugar no cristianismo bíblico. Paulo é bastante claro quando fala contra o cerimonialismo e sua prática: “… Pois que todas estas coisas, com o uso se destroem. Tais coisas, com efeito, tem aparência de sabedoria, como culto a si mesmo, e de falsa humildade, e de rigor ascético; todavia, não tem valor algum …” (Cl 2.22,23). Rev. Ronaldo Bandeira Henriques.